sábado, 7 de janeiro de 2017

Chupeta (Denise Fraga)



Costumo dizer que tenho a melhor profissão do mundo. Meu ofício me permite ir a lugares impossíveis, viajar no tempo, ter comportamentos estapafúrdios, ser mal-educada, matar e não ser presa, morrer e levantar alguns segundos depois. Por causa do meu ofício, tenho a graça de poder fazer coisas inimagináveis de serem feitas na minha idade.

Tempos atrás, precisei fazer um bebê, vejam só. Coisa engraçada me imaginar careca, sem dente e cheia de dobrinhas engatinhando num tapete. E assim, desse tamanhão. A cena estava um tanto desconcertante, afinal não é tão fácil entrar na pele de um bebezinho. Até que me foi oferecida uma chupeta. Achei esquisito, mas na hora em que coloquei a chupeta na boca, foi muito mais fácil virar um bebê. Acho que, da mesma forma que andamos de bicicleta pra sempre, uma chupeta na boca nos acalma como no tempo em que, com ela, caíamos nos braços de Morfeu. Aquela mera chupetinha  me fez votlar a algum lugar extremamente confortável. Vale experimentar. Vá agora mesmo à farmácia mais próxima, caso seus pequenos já tenham crescido. Se não, pegue uma emprestada, tranque-se no quarto, encolha-se na cama e veja que gostosura. Agora, se você é uma mãe que resistiu bravamente e nunca deu chupeta a seu pequeno chorão, apesar de morrer de medo de ele apelar ao próprio dedo, mesmo ouvindo o "chupeta a gente tira, dedo não" de sua sogra, não vai saber muito bem do que estou falando. 

Dei chupeta. Como toda mãe moderna, informada e metida a psicopedagoga, tentei não dar. Mas dei. E até hoje me lembro da doce sensação do meu pequeno se aconchegando em meu colo depois de abocanhá-la para dormir. 

Hoje, eles têm dez e oito anos, e o pavor que tive de estar errando na hora em que resolvemos dar a chupeta àquele bebezinho se contorcendo de cólicas não significa mais nada. Naquele dia, me senti fracassada por apelar àquele absurdo artifício, quase uma covardia, porque estava oferecendo um vício, que entortaria seus dentinhos e seria difícil de tirar. Tudo bobagem.

As velhas chupetas de Nino e Pedro jazem agora esquecidas no fundo do armário na caixa de pertences do Papai Noel. Entregaram juntos ao bom velhiho. Uma considerável desvantagem para o pequeno Pedro, um ano e meio mais novo. No dia seguinte à noite de Natal, ele acordou às sete da manhã e pediu a "peta" para continuar a soneca. "A gente deu ontem pro Papai Noel, lembra, Pedro?" Duas horas depois, desesperada de sono e com os ouvidos exaustos, entreguei os pontos e resolvemos procurar alguma chupetinha que, quem sabe, a mamãe poderia ter "esquecido" no fundo de alguma gaveta. Deleitou-se por mais um tempo o pequeno Pedro. E eu ainda nem tinha provado a delícia. Se tivesse, talvez deixasse ainda mais. 

Hoje, nenhum deles chupa chupeta. Nem eu, é com que fique claro. Apesar da minha experiência, sei que não pega bem sair de chupeta por aí, ou dizer ao Luiz que vou passar a dormir de chupeta. Se bem que, às vezes, na sala de espera do aeroporto, observo o vaivém de executivos  estressados, um celular na orelha, outro na mão, laptop no colo e penso que se grande parte da humanidade ao mesmo dormisse de chupeta, a vida talvez corresse mais leve. As farmácias venderiam menos soníferos e os ortodontistas enriqueceriam ainda mais. Doce delícia. 

(Denise Fraga)

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